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Iniciação à vida cristã

A Voz do Bispo

Publicada em 15/05/20 às 17:25h - 551 visualizações

por Dom José Roberto Fortes Palau


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O Bom Pastor  (Foto: Raquel Isaac)
INICIAÇÃO À VIDA CRISTÃ

I. INTRODUÇÃO

[imagem: Cristo e a samaritana, século XI, Igreja de Santo Angelo, em Formis].

“A samaritana foi ao poço e encontrou Jesus. Ela retirou água não somente para a sede do corpo, mas também para a sede do espírito. Seu jarro brilha; a sua veste, verde como erva fresca, é adornada de pérolas; aos seus pés desabrocham flores. Regenerada à vida nova, tem ainda os pés sobre o degrau do poço e dirige o olhar sereno para a verdadeira fonte, o Cristo, que está ali, junto ao poço, benévolo, sobre um halo azul, símbolo de sua divindade. Os discípulos estão próximos e olham maravilhados. Também o nosso olhar é atraído para o grande poço e também para Cristo que, sentado junto ao poço, mostra-se a nós pleno de misericórdia e majestade”.

“A minh’alma tem sede de Deus como a terra sedenta e sem água” (Sl 62, 2).

O Catecismo da Igreja Católica afirma que o ser humano é “capaz de Deus”: “O desejo de Deus está inscrito no coração do homem, já que o homem é criado por Deus e para Deus; e Deus não cessa de atrair o homem a si, e somente em Deus o homem há de encontrar a verdade e a felicidade que não cessa de procurar” (n. 27).
Essa procura por Deus está em todos nós. A mulher samaritana nos representa (cf. Jo 4, 5-42). Todo ser humano tem sede de felicidade e passa de um poço a outro: um caminhar incessante, um desejo inesgotável de realização (...). Em nosso tempo essa busca parece tornar-se cada vez mais uma corrida desenfreada e agitadíssima: produzir e consumir; possuir muitas coisas e fazer muitas experiências; procurar impressões sempre novas; o prazer e o útil imediato; tudo e rápido. Mas o resultado, via de regra, é a sensação de uma
corrida sem meta, uma sensação de vazio (...).
Como falar de Deus aos homens e mulheres de hoje? Pessoas cheias de experiências, perplexidades, alegrias e decepções. É necessário, porém, não basta somente estudar a doutrina cristã. É indispensável um verdadeiro mergulho no “Mistério de Deus”. Não se trata apenas de aprender coisas, mas de “adesão consciente a uma proposta de vida”.
Há muitos séculos atrás, Tertuliano já dizia que “os cristãos se fazem, não nascem”. Para tornar-se “algo novo” é preciso passar por um processo de “remodelação”, isto é, de “configuração”, que envolve mais do que conhecer ideias, envolve a pessoa integralmente, em todas as suas dimensões. Diz o Documento de Aparecida, citando palavras do Papa Emérito Bento XVI: “(...) não se começa a ser cristão por uma decisão ética ou uma grande ideia, mas pelo encontro com um acontecimento, com uma Pessoa, que dá novo horizonte à vida e, com isso, uma orientação decisiva” (DAp. n. 12). Ou seja, só nos tornamos cristãos após um encontro de fé com a pessoa de Jesus.
O evangelista São João relata o impacto que a pessoa de Jesus produziu nos primeiros discípulos que o encontraram: “Mestre, onde moras? Ele (Jesus) respondeu: vinde e vede! (Eles) Foram, viram onde moravam e permaneceram com ele aquele dia. Era por volta das quatro horas da tarde” (Jo 1, 38b-39). São João nunca mais esqueceu aquele dia; não esqueceu nem mesmo o horário do encontro com Cristo. Marcou para sempre (...)!

Hoje, podemos levantar a mesma pergunta de João e André: “Mestre, onde moras”? Ou melhor, “onde te encontramos para começar um autêntico processo de conversão, de discipulado”? “Quais são os lugares, as pessoas, as circunstâncias, que nos falam de ti, que nos colocam em contato contigo, e, assim, nos ajudam, para que nos tornemos, de fato, teus
discípulos”?
Certamente, esse é o nosso grande desafio: levar as pessoas a uma experiência existencial do “Mistério de Deus”. Bem sabemos que a transmissão da fé não está mais sustentada socialmente por um ambiente de cristandade. Em outros tempos, a fé do indivíduo vivia-se dentro de um contexto cristão homogêneo e comum à sociedade civil. Poder-se-ia crer naquilo que, segundo a opinião pública e a linguagem corrente, todos criam pouco mais ou menos. O contexto social favorecia a opção de fé.
Na atualidade, as coisas são bem diferentes. Hoje, a fé é vivida continuamente na primeira pessoa: vivemos num mundo secularizado, que não traz em seu bojo o estímulo à fé cristã. Nesta situação, a responsabilidade pessoal do indivíduo na sua decisão de fé é necessária e requer-se de uma maneira bem mais radical que no passado. Por isso faz parte da espiritualidade atual do cristão a coragem de decidir pessoalmente contra a opinião pública;
aquela coragem singular que é análoga à dos mártires do I século do cristianismo, a coragem de uma decisão de fé no Espírito que colhe a força de si mesma e que não necessita de apoios no consenso público. Esta coragem singular, todavia, somente pode subsistir quando se vive uma experiência totalmente pessoal de Deus e do seu Espírito. Já se disse que “o cristão do futuro ou será um místico ou nada será” (Karl Rahner).
A experiência do mistério não se dá apenas através dos “fenômenos extraordinários”, mas, sobretudo, cotidianamente, na experiência perceptiva da presença divina nos fatos e acontecimentos da vida. A mística não é exclusividade de alguns privilegiados, mas uma dimensão da existência humana à qual todos têm acesso, quando descem a um nível mais profundo de si mesmos; quando captam a presença do Deus vivo na trama cotidiana da vida.
A expressão Mistério é rara no Novo Testamento. Aparece principalmente nas Cartas Paulinas, que falam do “Mistério de Deus” (cf. Cl 2, 2), do “Mistério de Cristo” (cf. Cl 4, 3; Ef 3, 4), do “Mistério da piedade” (cf.1Tm 3, 16), do “Mistério do evangelho (cf. Ef 6, 19), expressões de significados afins. Segundo Paulo, “Mistério” é o plano divino da salvação que se realiza em Cristo. O conteúdo do Mistério é expresso com a fórmula “Cristo em vós”, isto é, consiste na inabitação do Cristo crucificado e glorificado em cada batizado.
Ser cristão significa viver em Cristo, ou melhor, deixar que Ele viva em nós a sua filiação divina, a consagração e a missão no Espírito, a sua paixão pelo Reino do Pai. Esse é o grande desafio da “Iniciação à vida cristã”.

II. CAMINHO FEITO
Jesus formou discípulos e discípulas, instruindo-os com sua postura de acolhida, de compreensão e de valorização das pessoas, principalmente das marginalizadas. A vida de Jesus transformou de tal modo essas mulheres e esses homens que, aos poucos, foram compreendendo que a salvação cristã é vida concreta, existência cotidiana, de relação pessoal com Deus e com o próximo. É libertação do pecado, das injustiças e limitações humanas. A expressão “novo” é fundamental nas atitudes de Jesus: odres novos (cf. Mt 9, 17), mandamento novo (cf. Jo 13, 34), nova aliança (cf. Lc 22, 20).
O conteúdo essencial do “primeiro anúncio” (querigma) trata da vida de Jesus de Nazaré, de sua pessoa, de sua mensagem e de seu momento culminante de morte e ressurreição (Mistério Pascal). Por aí passou a formação progressiva de novos discípulos. Nesse processo, contavam sempre com a ação do Espírito Santo (primazia da graça), presente no testemunho de vida dos que já faziam parte das comunidades cristãs.
A partir do segundo século, a Igreja estruturou um processo para a iniciação de novos membros. Tal processo de iniciação foi denominado “Catecumenato”. Sua finalidade era possibilitar, por meio de um itinerário específico de iniciação, a preparação de pessoas adultas que tinham manifestado o desejo de assumir a fé da Igreja. Foi um processo que entrou em lenta decadência, a partir do século V, até desaparecer por completo, entre os séculos VI e VII.
O declínio do processo catecumenal aconteceu no contexto do que se chamou “Cristandade”, quando a maioria das pessoas tornou-se cristã. Gradativamente, a transmissão da fé acontecia como herança recebida. As pessoas nasciam em ambiente cristão e iam adotando os comportamentos e as práticas do meio religioso ao qual pertenciam. Era um cristianismo herdado, transmitido como tradição familiar e social.
Após o Concílio de Trento (1545-1563), a Igreja elaborou um “Catecismo”, a ser utilizado pelos párocos, centrado no conhecimento da doutrina, na instrução moral, na celebração dos sacramentos e nas orações. A partir de então, o Catecismo passou a ser referência oficial de transmissão da fé. 
O estilo pastoral da cristandade influenciou a formação de muitas pessoas. Respondeu aos desafios de seu tempo. Fé e cultura se identificavam. Mas, hoje, o mundo tornou-se diferente, exigindo novos processos para a transmissão da fé. Atualmente, a religião não é mais importante para o mundo contemporâneo. Os mecanismos de transmissão da cultura não transmitem mais a fé. Isso é fato.
O Concílio Vaticano II (1962-1965) procurou novos caminhos para a transmissão da fé, em nosso tempo. O Vaticano II recomendou oficialmente a restauração adaptada do Catecumenato e apresentou seus traços característicos. 
O Papa São Paulo VI, através da Exortação Apostólica “Evangelii Nuntiandi” (08 de dezembro de 1975), afirmou categoricamente: “importa evangelizar, não de maneira decorativa, como que aplicando um verniz superficial, mas de maneira vital, em profundidade e isto até às suas raízes, a civilização e as culturas do homem (...) (n. 20)”. Desde então, a Igreja tem levado em consideração novas circunstâncias e necessidades, para poder promover de fato o encontro pessoal com Jesus Cristo e o acompanhamento
formativo de seus novos discípulos. É a Igreja assumindo sua responsabilidade para se transformar, de fato, em “casa da Iniciação à Vida Cristã” (DGAE 2015-2019, n. 41-46; 83-92).
O evangelho não mudou, mas mudaram os interlocutores. Mudaram os valores, os modelos, as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens e das mulheres de hoje. Para que o anúncio do evangelho aconteça, é necessária a devida atenção aos desafios da realidade. O Papa Francisco, na “Evangelii Gaudium”, elenca alguns deles: a idolatria do
dinheiro; a economia de exclusão; a fragilidade dos vínculos familiares; a perda do sentido do sagrado; a perda do sentido de pertença comunitária, provocada pelo individualismo; a crise ética: a verdade é produzida pelo indivíduo; a violência que se origina das desigualdades sociais e da banalização da vida; a corrupção; a intolerância em relação ao diferente, especialmente aos refugiados; o proliferação de novos movimentos religiosos; a internet e as rede sociais digitais (...).
O encontro com Jesus ressuscitado, no mundo contemporâneo, é possível. Mas precisa ser proposto de maneira a cativar mais as pessoas, para que se possa fazer a experiência impactante da verdadeira adesão a Jesus. 

III. CAMINHO REVISTO
O processo de Iniciação à Vida Cristã supõe uma Igreja em “estado permanente de missão”, isto é, uma Igreja anunciadora da salvação, da participação na vida divina; mas também de uma Igreja testemunha da fraternidade, da solidariedade, da justiça social, da paz, salvaguarda da criação, promotora do diálogo ecumênico e inter-religioso; enfim, de uma Igreja construtora de um mundo melhor. A Igreja cresce por atração, não por proselitismo (cf. DAp n. 159).
O processo de Iniciação à Vida Cristã não é como um curso que termina em festa de formatura, mas que se desdobra em uma formação continuada ao longo de toda a vida. Só termina com a morte (...). Somos “neófitos permanentes” (cf. São João Crisóstomo).
Sujeito indispensável do processo de iniciação à Vida Cristã é toda a comunidade. Ela é responsável pelo rosto que a Igreja vai apresentar a quem dela se aproxima; é necessário recuperarmos esta convicção e com ela sermos coerentes. O processo de Iniciação à Vida Cristã requer a acolhida, o testemunho, a responsabilidade da comunidade. Quem busca Jesus precisa viver uma forte e atraente experiência eclesial. A Iniciação dos chamados ao
discipulado se dá pela comunidade e na comunidade. 
Daí a necessidade de uma “conversão pastoral”: de uma Igreja de conservação e acomodada para uma Igreja peregrina, desinstalada, samaritana, misericordiosa. Uma Igreja que tem o evangelho no coração e nas mãos e acolhe quem está desnorteado, caminha com as pessoas em situações difíceis, cura feridas. Uma Igreja que compreende que é tempo de fixar-se no
essencial da fé. Esse modelo de Igreja promove o encontro pessoal e comunitário com Jesus Cristo, incentiva a inserção na comunidade eclesial, a participação na vida litúrgico-sacramental e o engajamento na transformação da sociedade.
Cabe às Igrejas Particulares buscar os meios para evangelizar, não apenas os adultos, mas também, os jovens e as crianças; de tal forma, que todos experimentem a alegria de serem discípulos missionários. Nesse sentido, cada Igreja Particular, dentro de seu contexto próprio, deverá encontrar um caminho para revitalizar a Iniciação à Vida Cristã. E para essa tarefa, o “RITO DE INICIAÇÃO CRISTÃ DE ADULTOS” (RICA) é uma fonte inspiradora. O "RICA" não é um manual de catequese, mas sim um livro litúrgico com ritos,
orações e celebrações. Porém, esse livro dá uma visão inspiradora de uma catequese que realmente envolva a pessoa no seguimento de Jesus Cristo, a serviço do Reino, expresso na vivência dos sacramentos do Batismo, da Confirmação e da Eucaristia.
Conectar os três sacramentos da iniciação cristã é imprescindível para o bom êxito de uma catequese de inspiração catecumenal. A conexão exprime a unidade do Mistério Pascal. Assim ensina o Catecismo da Igreja Católica: “os fiéis, de fato, renascidos no Batismo, são fortalecidos pelo sacramento da Confirmação e, depois, nutridos com o alimento da vida eterna na Eucaristia” (n. 1212). Batismo e Confirmação nos direcionam para a Eucaristia.

IV. CAMINHO PROPOSTO
Jesus tomou a iniciativa no diálogo com a samaritana. Também hoje é preciso ir até às pessoas, dialogar e, a partir de suas necessidades, apresentar-lhes o primeiro anúncio sobre Jesus Cristo, que seja capaz de lhes fazer arder o coração (cf. Lc 24, 32). Muitas vezes, é urgente um “segundo primeiro anúncio” para quem se afastou da fé e da Igreja. É preciso retornar continuamente ao querigma.
O importante é formar discípulos que pratiquem a fraternidade e queiram ir sempre mais adiante no caminho de Jesus. A esse respeito, afirma categoricamente o Papa Francisco: “No próprio coração do Evangelho, aparecem a vida comunitária e o compromisso com os outros. O conteúdo do primeiro anúncio tem uma repercussão moral imediata, cujo centro é a caridade” (EG n. 177).
Não pode haver espaço para a mediocridade, uma vida pessoal e comunitária morna. Como diz o livro do Apocalipse: “porque és morno, nem quente nem frio estou para vomitar-te. Arrepende-te! Muda de vida! Sê zeloso!” (Ap 3, 16). É, portanto, por um processo continuado de conversão pessoal, comunitária e missionária que, efetivamente, poderemos, com a alegria do Evangelho (evangelii gaudium) perpetuar a profissão de fé em Jesus Cristo, ontem, hoje e sempre. E, assim, tentando ser Igreja em estado de Iniciação à
Vida Cristã e contínua formação renovada, poderemos cumprir o mandato de Jesus: “vão e façam com que todos os povos se tornem meus discípulos... Eu estarei com vocês todos os dias, até o fim do mundo” (cf. Mt 28, 16-20).



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