“Entrando onde Maria estava, o anjo disse-lhe: ‘Alegra-te, ó cheia de graça, O Senhor está contigo’” (Lc 1, 28). A “alegria” é a primeira palavra pronunciada pelo anjo a Maria; é palavra que prenuncia o advento da Nova Aliança: “Tempo de Boa-Notícia”! É palavra messiânica, pronunciada também pelos profetas, quando proclamaram a vinda do Messias: “Erguei alegres gritos, exultai, ó habitantes de Sião, porque grande é o Santo de Israel no meio de ti” (Is 12, 6); “Exulta, alegra-te, filha de Sião, porque eis que venho para morar em teu meio, oráculo do Senhor” (Zc 2, 14).
A alegria é um elemento constitutivo da salvação cristã. No início da “Liturgia das Horas”, na recitação do “Salmo Invitatório” (Sl 94), recebemos, todos os dias, o convite do Senhor para alegrar- nos: “Vinde, exultemos de alegria no Senhor, aclamemos o rochedo que nos salva”! (Sl 94, 1). Certamente, Maria não gritou de alegria ao longo de toda a sua vida. Mas a alegria residiu nela sem cessar, apesar dos momentos de sofrimento. Porque a alegria cristã é diferente. Evidentemente, é também uma alegria humana, nem poderia ser diferente. Não somos alienados, estamos em sintonia com tudo o que acontece em nosso mundo. Afinal de contas, a Igreja não é um mundo à parte, mas parte deste mundo. Compartilhamos as alegrias e também as tristezas de todos os povos da terra. Contudo, a alegria cristã vai além da realidade criada, ela é “teologal”, ou seja, está enraizada em Deus. E o que significa isso? Significa que nossa alegria é simultaneamente “antropológica” e “escatológica”. Antropológica porque não somos diferentes das outras pessoas. Comungamos das mesmas alegrias: a alegria de conquistar a casa própria; a alegria do trabalho bem realizado e levado a bom termo; a alegria da amizade; a alegria da saúde recuperada; a alegria que provém do contato com a natureza, entre tantas outras, inerentes à condição humana. Porém, a alegria cristã tem algo mais. Vai além da condição humana. É escatológica, ou seja, vai além da esfera psicológica e atinge a alma; é fruto da ação do Espírito Santo (cf. Rm 14, 17; Gl 5, 22); nasce do agir misterioso de Deus no coração humano. Por isso, a alegria cristã não se extingue nem mesmo pela tribulação (cf. 2Cor 7, 4). É alegria que resiste às variações de humor, e aos momentos mais negativos da vida. A fonte perene desta alegria: A firme convicção de que Deus existe, quer o melhor para mim, e isso basta! Alegria constante e serena, que supera a euforia e o entusiasmo. Deus está em mim. Existe em mim um espaço de alegria, que ninguém pode tirar! A alegria cristã é fonte de vitalidade e prazer de viver.
“Alegrai-vos sempre no Senhor! (...). Seja a vossa amabilidade conhecida de todos!” (Fl 4, 4.5). A alegria do cristão reflete em seu comportamento: é indulgente, tem discernimento para saber ceder no momento certo, não é birrento, irradia confiança. Não é amargo, nem pessimista; sabe relativizar as coisas porque conhece “algo” que é muito maior e melhor que os bens deste mundo. E já vive, cá embaixo, na certeza da posse futura dos bens celestiais.
Interessante: o momento em que Jesus falou de entregar sua alegria a seus apóstolos, foi poucas horas antes do Getsemâni: “Agora, porém, vou para junto de Ti, ó Pai, e digo isso no mundo, a fim de que tenham em si minha plena alegria” (Jo 17, 13). O momento em que Jesus ousou falar da “plenitude de sua alegria”, foi algumas horas antes da Paixão. A palavra “alegria” aparece nove vezes, nos lábios de Jesus, no discurso depois da Última Ceia. A primeira palavra da “Anunciação” será uma das últimas de Jesus: a plenitude da alegria. Se “tivermos fé”, nos alegraremos, pois teremos a firme convicção de que a salvação vence o mal, vence o sofrimento, vence a morte.
A segunda palavra da saudação do anjo é “cheia de graça”. O anjo, cumprimentando Maria, não a chama pelo nome, mas chama-a simplesmente “cheia de graça”. Assim como as águas preenchem o mar, do mesmo modo, a graça preenche a alma de Maria. Na graça encontra-se a identidade de Maria. E o que é a graça? É a presença pessoal de Deus em Maria. É a santidade de Maria, que a coloca acima de qualquer outra pessoa, seja do Antigo ou do Novo Testamento. Nossa Igreja, Latina, expressa essa realidade com o título de “Imaculada”, e a Igreja Ortodoxa com o título de “Toda Santa”. Maria é “preservada” do pecado original. A Igreja é, por sua vez, “libertada” deste pecado. A Igreja tem rugas que um dia serão eliminadas; Maria não tem nada a ser perdoado por graça de Deus. Em Maria contemplamos a novidade da graça da Nova Aliança em relação à Antiga; nela realizou-se o salto qualitativo: “Que novidade trouxe o Filho de Deus vindo ao mundo”?, pergunta-se Santo Irineu, e ele mesmo responde:
“Trouxe toda a novidade, trazendo a si mesmo”. A graça já não consiste em algum dom de Deus, mas no dom Dele mesmo; já não consiste em um ou outro favor, mas na sua própria presença.
A graça divina é puro dom. Não temos como retribuir. Devemos apenas reconhecer a graça, aceitar a gratuidade da mesma. É o que Maria fez no “Magnificat”: “Minha alma engrandece o Senhor (...), pois o Todo Poderoso fez grandes coisas em meu favor (...)” (Lc 1, 46b.49a). O que significa para a Igreja, e para cada um de nós, o fato de a história de Maria começar com a palavra graça? Significa que no começo de tudo está a graça, a livre e gratuita escolha de Deus, a sua inexplicável generosidade, o seu vir ao nosso encontro em Cristo e doar-se a nós por puro amor. Maria, pois, lembra e proclama à Igreja que “tudo é
graça”. Enfim, “a graça é a presença de Deus”. As duas expressões: “cheia de graça” e o “Senhor está contigo” são quase a mesma coisa. Esta presença de Deus no ser humano realiza-se agora em Cristo e por Cristo. De fato, Ele é o “Emanuel”, o “Deus-conosco”. A graça do Novo Testamento pode ser descrita com as seguintes palavras de São Paulo:
“Cristo em nós, a esperança da glória” (Cl 1, 27). A graça já é o início da vida eterna!
Pois bem, agora, cabe uma pergunta: “o que estou fazendo da graça de Deus”? São Paulo admoestava: “(...) não recebais a graça de Deus em vão” (2Cor 6, 1b). Pode-se, de fato, acolher “em vão” a graça de Deus, isto é, deixá-la cair no vazio. É o perigo de “desperdiçar a graça”. Isso acontece quando não se corresponde à graça; quando não se cultiva a graça de maneira tal que ela possa produzir seus frutos. “Viver sem Deus, rejeitando a sua graça, é como viajar na vida sem a passagem, com o risco de ser apanhado de um momento para o outro e obrigado a descer”. A frase de Jesus sobre o homem encontrado na sala do banquete sem o traje nupcial, que emudece e é lançado fora (cf. Mt 22, 11ss), faz pensar na mesma coisa.
É preciso cultivar a graça, fazê-la crescer. Depois de ter dito: “Mas pela graça de Deus sou o que sou (...)”, São Paulo acrescenta: “e sua graça a mim dispensada não foi estéril” (1Cor 15, 10a). Ele fez frutificar a graça. E, nós, como cultivamos a graça divina? É verdade que os sacramentos agem por força própria e comunicam a graça, apesar de nossa indignidade, mas, certamente, quando cultivamos a graça, o resultado de nossa ação pastoral é muito mais eficaz (...). Além disso, a graça é a fonte de coragem. Que foi que Deus respondeu a São Paulo, quando se queixava do “espinho” em sua carne? Respondeu: “Basta-te a minha
graça” (2Cor 12, 9a). A graça divina não é como o “auxílio humano” que, com muita frequência, falha no momento da necessidade. A graça divina nunca nos falta, pois Deus é
fiel; pai e mãe podem nos abandonar (cf. Sl 27, 10), mas Deus nunca nos abandona. Precisamos crer na graça, crer que Deus nos ama, que nos é favorável de verdade, que pela graça fomos salvos, que o Senhor está também conosco, como esteve com Maria. É preciso acolher, como dirigidas a cada um de nós, as palavras pronunciadas por Deus através do profeta: “Não temas, porque eu estou contigo, não fiques apavorado, pois eu sou o teu Deus; eu te fortaleço, sim, eu te ajudo (...)” (Is 41, 10).
“Eu sou a serva do Senhor; faça-se em mim segundo a tua palavra”! (Lc 1, 38).
Com estas poucas e simples palavras realizou-se o maior e mais decisivo ato de fé da história da humanidade. Esta palavra de Maria representa o cume do comportamento religioso perante Deus, pois expressa, da maneira mais elevada, a passiva disponibilidade
unida à ativa prontidão. É interessante o comentário de Santo Agostinho ao ato de fé de Maria: “À plenitude da graça por parte de Deus, corresponde a plenitude da fé por parte de Maria”.
À primeira vista o ato de fé de Maria foi fácil e previsível. Ser a mãe do Messias era o sonho de toda menina judia! Mas não foi tão simples assim (...). Em primeiro lugar, Deus
jamais engana, nem arranca das pessoas seu consentimento, escondendo-lhes as consequências que irão enfrentar. Percebemos isso em todas as grandes chamadas de Deus.
Por exemplo, a Jeremias preanuncia: “Eles combaterão contra ti” (Jr 1, 19); e revela a Ananias, a respeito de Paulo: “Eu mesmo lhe hei de mostrar quanto ele tem de sofrer por meu nome” (At 9, 16). Com Maria não foi diferente (...). À luz do Espírito Santo, que acompanha a chamada de Deus, Maria certamente previu que também seu caminho não teria sido diferente daqueles de todos os outros chamados. Afinal, Simão bem cedo vai dar
expressão a esse pressentimento dizendo que uma espada lhe traspassará a alma (cf. Lc 2, 35). Após a anunciação, Maria vai encontrar-se numa total solidão. Para quem pode explicar o que nela aconteceu? Quem nela acreditará, quando disser que o menino por ela concebido é “obra do Espírito Santo”? Isso nunca aconteceu antes dela, nem irá acontecer depois. Maria conhecia certamente o que estava escrito no livro da Lei: se, por ocasião das núpcias, fosse constatado que a moça já não era virgem, deveria ser levada à entrada da casa de seu pai para ser apedrejada pelos habitantes da cidade (cf. Dt 22, 20-21). Carlo Carreto, no seu livro sobre Nossa Senhora (“Feliz és tu que acreditaste”, Paulinas, 1986), conta como chegou a descobrir a fé de Maria. Quando ele vivia no deserto, alguns dos seus amigos beduínos informaram-no que uma moça do acampamento tinha sido prometida como esposa
a um rapaz, mas, sendo ela jovem demais, não tinha ido morar com ele. Carlo Carreto comparou este fato com aquilo que Lucas diz a respeito de Maria. Por isso, passando de novo naquele mesmo acampamento, depois de dois anos, pediu informações sobre a moça. Percebeu um pouco de embaraço entre os seus interlocutores e mais tarde um deles, aproximando-se com toda a reserva, fez um sinal: passou uma mão na garganta, com o gesto
característico dos árabes quando querem dizer: “Foi degolada”. Como tinha sido encontrada
grávida antes do matrimônio, a honra da família exigia aquele desfecho. Então ele pensou
novamente em Maria, nos olhares impiedosos dos habitantes de Nazaré, e entendeu a solidão de Maria. Se acreditar significa “avançar por aquela estrada onde todas as placas de sinalização dizem: “para trás, para trás”!; se significa “encontrar-se no meio do mar onde há cem metros de profundidade abaixo de ti”; se acreditar é “realizar um ato pelo qual a pessoa acaba encontrando-se totalmente jogadas no braço do Absoluto” (todas essa imagens são do
filósofo Kierkegaard), então não há dúvida que Maria foi a “mulher de fé”, por excelência.
E Maria disse o seu “sim” a Deus com alegria. O verbo com o qual Maria expressa o seu consentimento, e que é traduzido com “faça-se”, no original grego está no modo optativo (semelhante ao nosso modo subjuntivo); optativo que não expressa uma simples aceitação resignada, mas um vivo desejo. É como se dissesse: “Eu também desejo, com todo o meu ser, o que Deus deseja”. Porém, Maria não disse “faça-se”, que é uma palavra latina. Um judeu quando queria dizer “faça-se” ou “assim seja”, dizia “Amém”. Amém palavra hebraica, cuja raiz significa firmeza, certeza. Com o amém reconhece-se o que foi dito como sendo palavra firme, estável, válida e vinculadora. Reconhece ser verdade o que Deus afirma e aceita esta verdade como tal. Significa dizer “sim” a Deus. Nesse sentido, encontramos a mesma palavra nos lábios de Jesus: “Sim, Pai, porque assim foi do teu agrado” (Mt 11, 26). Aliás, Jesus é o “Amém” personificado: “Assim fala o Amém, a testemunha fiel e verdadeira, o Princípio da criação de Deus” (Ap 3, 14). Como o “sim” de Maria precede o de Jesus no Getsêmani, assim o seu “Amém” precede o do Filho. Maria também é um “Amém” personificado para Deus.
“Naqueles dias, Maria pôs-se a caminho para a região montanhosa, dirigindo-se apressadamente a uma cidade de Judá. Entrou na casa de Zacarias e saudou Isabel (...). Maria permaneceu com ela mais ou menos três meses e voltou para casa” (Lc 1, 39-40.56).
A fé é um dom de Deus, mas também é uma resposta humana, e como todo ato humano, não pode se dar sem um apoio e uma partilha, sem uma condivisão. Maria foi à procura de Isabel movida pelo desejo de aprofundar, através do diálogo, o conhecimento da revelação que tinha recebido. Em outros termos: para confirmar e ser confirmada na fé. As boas notícias devem ser partilhadas. Assim, ao acabar de dizer o “sim” (faça-se), Maria parte logo em missão. Não guarda para si a graça recebida. O seu primeiro gesto foi dirigir-se “apressadamente’”em visita à Isabel para partilhar a boa notícia, o segredo íntimo que ambas traziam dentro de si. Eis a discípula missionária, a Senhora da prontidão e da ternura.
Isabel, por sua vez, antecipou-se exclamando: “Bendita és tu entre as mulheres e bendito o fruto do teu ventre. Donde me vem que é a Mãe do meu Senhor me visite”? (Lc 1, 42). Esta última frase da saudação é semelhante à que no Antigo Testamento era dirigida à Arca da Aliança. Assim, Maria é a Arca Santa em pessoa e traz em si a presença de Deus, que é fonte de consolação e de alegria. A presença da Arca na casa de “Obed-Edom” foi motivo de benção (cf. 2Sm, 6, 11-12) como a de Maria na casa de Zacarias. Eis aqui a imagem e o modelo da Igreja discípula missionária: “Aquela que recebeu o dom mais precioso de Deus, como primeiro gesto de resposta, pôs-se a caminho para servir e levar Jesus. Peçamos a Nossa Senhora que também nos ajude a transmitir a alegria de Cristo aos nossos familiares, aos nossos companheiros, aos nossos amigos, a todas as pessoas” (Papa Francisco, Angelus no Rio de Janeiro).
Pentecostes
“Então os apóstolos deixaram o monte das Oliveiras e voltaram para Jerusalém (...). Entraram na cidade e subiram para a sala de cima onde costumavam ficar. Eram Pedro e João, Tiago e André, Felipe e Tomé, Bartolomeu e Mateus, Tiago, filho de Alfeu, Simão Zelota e Judas, filho de Tiago. Todos eles perseveravam na oração em comum, junto com algumas mulheres – entre elas, Maria, mãe de Jesus (…)”. (At 1,12-14). O Grupo das mulheres talvez seja aquele que assistira e seguia Jesus durante sua pregação na Palestina. E ali também está Maria, presença ativa e animada da oração na comunidade primitiva. Depois de ter convivido com Jesus, esperam agora a realização de sua promessa: “(...) recebereis o poder do Espírito Santo que viverá sobre vós para serdes minhas testemunhas em Jerusalém, por toda a Judeia e Samaria e até os confins da terra” (At 1,8). Isso se dá no dia de pentecostes: ficaram repletos do Espírito Santo (Cf At 2,1-4). O Espírito manifestou-se através de um vento impetuoso e de línguas de fogo. Fogo e vento são símbolos da manifestação (teofania) no AT, quando Deus revela sua santidade e purifica o homem (cf. Ex. 19, 18, 24, 17; 2Sm 22, 9-3; Is 6 ,6-7). O Primeiro efeito da erupção do Espírito é que “começaram a falar em outras línguas”,mas o efeito mais decisivo é a transformação interior que se realizou neles. Eram os mesmos que tinham abandonado Jesus nos momentos cruciais do calvário. Estavam reclusos no cenáculo, cheios de medo dos judeus. A Vinda do Espírito Santo transforma esses homens. Pedro, apresentando-se junto com os onze, levanta a voz e prega sem temor à multidão (cf. At 2, 14ss). Falam de Jesus como testemunhas pessoais, e aqueles que escutam recebem a fé por meio de seu testemunho! Maria está no meio da Igreja nascente. Está na condição de Mãe de Jesus. Conhece as fraquezas e os receios desta primeira comunidade eclesial (...). Foi precisamente a esses homens medrosos que o anúncio do Reino foi confiado. A pequenez dos instrumentos não assusta Maria, porque em seu seio realizou-se para sempre o desponsório do poder de Deus com a limitação humana. O que aconteceu na “Anunciação” repete-se agora nos primórdios da Igreja, que sempre viverá esse mistério: a santidade e o amor de Deus que se transmitem através da fragilidade humana. A presença de Maria no Cenáculo é um ato de solidariedade com a Igreja primitiva. Ela certamente, é a que com maior desejo suplica a vinda do Espírito Santo. Na realidade, Maria já tinha uma longa história pessoal com Ele, pois sua vida está localizada pelas interações do Espírito Santo Foi Ele quem a “cobriu com sua sombra” e realizou nela a encarnação do filho de Deus. Toda a vida de Maria se desenvolve na força do Espírito. Segundo São Paulo, os frutos da ação do Espírito são: amor, alegria, paz bondade, fidelidade, lealdade, mansidão, domínio próprio (cf. Gl 5, 22). Não é uma exata descrição da vida de Maria em que o Espírito Santo agiu sem nenhum impedimento e sobre quem derramou generosamente seus dons? Para os apóstolos, trata-se de uma “novidade”, para Maria já é uma realidade plenamente operante em sua vida!
Certamente, Pentecostes constituiu-se numa nova etapa da peregrinação de Maria rumo ao Reino definitivo. Pentecostes concede-lhe uma plenitude ainda maior na compreensão e vivência de sua inserção pessoal e de sua missão no ministério de Cristo. Ao receber novamente o Espírito, Maria experimenta, com crescente entusiasmo, o que sempre marcou sua vida: o amor e a entrega incondicional à vontade de Deus! No meio dos apóstolos, Maria não é somente aquela que implora com mais insistência e arder a vinda do Espírito, é também aquela que oferece a melhor recepção ao Espírito. A incumbência recebida no Calvário torna-se agora tarefa concreta, acompanhar com amor de mãe a Igreja nascente. Ela acompanha a difusão da Palavra, alegra-se com o progresso da evangelização, sofre com as dores da perseguição. Tudo isso acontece na força do Espírito Santo. Os apóstolos saem para pregar, fundam novas comunidades, enfrentam processos e perseguições, convocam até um concílio. Maria certamente permaneceu em oração pela Igreja, que nascia e se expandia. Na Igreja juntamente com a ação missionária, é indispensável a “caridade orante”. Maria é o “protótipo desta Igreja orante”. Depois de Pentecostes, certamente, a vida de Maria foi marcada pela oração. O biógrafo de São Francisco de Assis afirma que pelo fim da vida, Francisco já não era um homem que rezava, mas “um homem feito de oração”. Que dizer então, da mãe de Deus? Não sabemos como Maria rezava, mas podemos intuir algo, partindo da experiência de alguns santos. Os Santos, especialmente os místicos, descreveram o que acontece no mais íntimo do ser humano depois que passou pela “noite da fé”. São João da Cruz escreveu um poema intitulado “Cântico da alma que se consome pelo desejo de ver a Deus”. Cada estrofe deste cântico termina com o refrão: “ Morro porque não morro”. É tão grande nessa etapa a necessidade e o desejo do místico unir-se com Deus e possuí-lo totalmente, que continuar a viver aqui na terra torna-se um verdadeiro martírio. Tudo isso abre-nos uma nova perspectiva da vida de Maria, após Pentecostes. Que devia experimentar Maria quando em algumas circunstâncias rezava o Sl 24 que diz: “A minha alma tem sede do Senhor, do Deus vivo: quando poderei contemplar a face de Deus” ? (Sl 42,3). Se São Paulo, que era um grande amigo de Jesus, mas um amigo, não a mãe, podia dizer: “Desejo partir para estar com Cristo” (Fl 1,23), que dizer de Maria? Depois do êxtase de Óstia, quando com seu filho Agostinho tinha vislumbrado algo da vida eterna, Santa Mônica repetia: “Que faço ainda aqui?”, e depois de poucos dias morreu. “Que faço ainda aqui”. Estas palavras não teriam, às vezes, brotado também dos lábios da mãe de Jesus?
Santo Agostinho afirma que a essência da oração é o desejo de Deus, que brota da fé, esperança e caridade: “O teu desejo é a tua oração; se o desejo for contínuo, a oração será contínua (...)”. Se não quiseres interromper a oração, nuca cesses de desejar. O teu desejo contínuo será a tua voz contínua. Maria conheceu a oração contínua, porque contínuo era o seu desejo de Deus. E pergunta: o que nos ensina Maria com a sua presença no Cenáculo no momento de Pentecostes e, depois de Pentecostes, com sua presença orante na Igreja nascente? E responde: que antes de empreender qualquer coisa e de atirar-se pelas estradas do mundo, a Igreja precisa do auxílio e da força do Espírito Santo. Ele é o “protagonista” da missão, que toca e converte os corações mais endurecidos.